Domingo, 6 de Agosto 2006 – Aquele Dia
“Aquele
Dia”
de Raul Ruiz
Sala
Bebé do Cinema Batalha
às 10.30h / 15.30h / 21.45h
Título
Original: Ce Jour-là
Realização e
Argumento: Raul Ruiz; Fotografia: Acácio de Almeida; Som: Henri Maikoff,
Georges-Henri Mauchant; Casting: Leo Davis; Cenários: Bruno Beaugé;
Guarda-Roupa: Claire Gerard-Hirne
Interpretação:
Bernard Giraudeau |Pointpoirot, Elsa Zylberstein |Livia, Jean-Luc Bideau
|Raufer, Jean-François Balmer |Treffle, Christian Vadim |Ritter, Laurent Malet
|Roland, Rufus |Hubus, Feodor Atkine |Warff, Jacques Denis |patrão do café,
Edith Scob |Leone, Hélène Surgere |Bernadette, ILaurence Fevrier |Edmonde,
Jean-Michel Portal |Vogel, Jean-Baptiste Puech |Luc, Matthias Urban |Dorival,
Michel Piccoli |Harald
Música: Jorge
Arriagada; Montagem: Valeria Sarmiento; Director de Produção: Nicolas Picard;
Produção: Paulo Branco, Patricia Plattner; Co-Produção: Gemini Films, Light
Night Production, France 3 Cinéma, Canal+, Cine Cinema, Office Federal de la
Culture (DFI), Télévision Suisse Romande (SRF), Natexis Banques Populaires
Images 3, Eurimages;
Duração: 105 minutos (1h85m)
Crítica
social, drama gótico, comédia negra, slasher cómico, “Aquele Dia”, com a
fatalidade que o seu nome induz, expõe os artifícios de um teatro do humor
macabro, de uma peça arrepiante no decurso da qual os cadáveres se amontoam
alegre e inexoravelmente.
E, no entanto, divertindo-se
deliberadamente a baralhar o espectador, Raul Ruiz recupera a veia exclusiva de
um barroco surrealizante de que se tornou mestre. A realização é ao mesmo tempo
sumptuosa pela precisão e pela heterogeneidade surpreendente, evitando qualquer
risco de teatralidade gesticulante ao mesmo tempo que se permite com júbilo
alguma gestualidade burlesca à base de perseguições e de movimentação de
cadáveres.
O novo filme de Raul Ruiz inventa uma
geografia muito própria. Um mundo onde a loucura se mistura com mentes
calculistas, um mundo da inércia grotesca e do assassinato, da assepsia
excessiva e do trabalho sujo comandado pela razão de Estado.
Jean-François
Rauger Le Monde 17.05.2003
Ah Raul!...
Raul, todas as palavras no mundo não são suficientes para te descrever. Na
definição da palavra surrealismo está escrito no dicionário: “movimento
artístico que se constitui na base de uma rejeição sistemática de todas as
construções lógicas do espírito e visando subtrair todo o controlo da razão nas
várias forças psíquicas, cuja expressão pode contribuir para uma inversão
libertadora dos valores sociais, intelectuais e morais”. Raul Ruiz descende de
Breton, de Aragon, Dali, Buñuel ou Éluard? Sim, penso muito nisso. São as
qualidades humanas de Ruiz, o facto de ser um homem raro que dão ao seu cinema
uma humanidade que ilumina a visão que tem do mundo. Ele tem dentro o seu Chile
que ele tanto ama, esta ditadura de que fugiu, os crimes perpetrados por este
ditador. Tudo isto misturado com uma alegria de viver, uma originalidade, uma
loucura doce, uma ironia e uma grande lucidez. A liberdade com que fala do
mundo em que vivemos é particular e única. Ele denuncia sem parecer que o está
a fazer. É um verdadeiro cineasta militante, em que está sempre presente este
humor que lhe conhecemos. Há uns meses, falou-me nesta Livia que estava a
escrever para mim. Ela teria dois sintomas: as perdas de memória repentinas e
um som violento poderia modificar a visão dos elementos que estão à volta dela.
A realidade dela muda para melhor ou para pior. Falou-me depois do encontro com
um louco que fugiu de um asilo, que viria matá-la mas que acabaria por matar
toda a gente menos ela. Falou-me de uma herança... Falou-me de “L’Héritière” de
William Wyler. E de “Alice no País das Maravilhas”. Quanto mais avançávamos, mais
Livia ganhava corpo.
Com Ruiz tudo é harmonia, absurdo e
ironia, qualquer coisa de raro e mágico que dá vontade de surpreender e o
surpreender, só para ver a alma de criança que dorme nele. É um grande mestre
que adoro.
Elsa Zylberstein
(AQUELE DIA)
É a história de uma jovem rapariga, belíssima, mas louca e
suíça, que herda uma fortuna colossal aquando da morte da mãe. O pai,
divorciado, não está disposto a que isso aconteça e, com a conivência dos
outros membros da família, encarrega um homem de libertar de um hospício um
louco psicopata e diabético (Bernard Giraudeau, irreconhecível, confirma tudo o
que pensamos dele) que terá a difícil tarefa de eliminar a donzela. Ora, como
estamos num conto, o assassino não matará a bela, mas tornar-se-á seu protector
e matará todos os que lhe querem fazer mal. E não direi mais.
Cada novo crime oferece a Ruiz a oportunidade de mostrar
toda a paleta do seu talento, brincar com os géneros, mostrar a sua
virtuosidade, igual à do assassino (que se chama Pointpoirot). (...)
Neste ballet, alegremente fúnebre, coreografado por um
realizador inspirado, é preciso dizer que cada personagem, da mais pequena à
maior, cada actor, brilha desmesuradamente. Zylberstein, Giraudeau, Piccoli,
mas também Vadim, Bideau, Rufus, Hélène Surgéré, Laurent Malet, Edith Scob,
Jacques Denis.
E também o extraordinário Jean-François Balmier, de quem
já tínhamos esquecido o quanto o seu talento ultrapassa os seus tiques, e que
encontra em AQUELE DIA um dos seus mais belos papéis. Sóbrio, ambíguo, humano,
à imagem do filme de Ruiz: gigante e cheio de prazer.
Jean-Baptiste Morain, Les Inrockuptibles
texto enviado por Joaquim Diabinho
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